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A suja e esquecida praia de Ramos

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Foto: Olho Verde/Moscatelli

Em tempos remotos, Dicró aproveitaria as especialmente altas temperaturas deste outono para levar a família à praia de Ramos no fim de semana. Mas há anos que o tão celebrado balneário não é mais objeto de desejo dos moradores e antigos frequentadores do litoral Norte da cidade. A área começou a ser tomada pela poluição ainda na década de 1950 e no curso dos anos 80 foi declarada imprópria para o banho. A praia, tantas vezes cantada e exaltada pelo cantor, deu lugar ao Parque Ambiental da Praia de Ramos, popularmente conhecido como Piscinão de Ramos. Inaugurado em dezembro de 2001, o parque passou por duas reformas, mas sofre com o abandono do poder público, assim como a praia.

Foto: Paulo BarrosNa década de 70, e até o início dos anos 80, a praia de Ramos foi muito popular entre moradores locais e de outras áreas da cidade, apesar do aumento significativo da poluição na baía de Guanabara. Em 1981, o balneário já apresentava o maior índice de poluição entre as praias da cidade, segundo a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA, atual Inea). A praia recebe esgoto vindo dos canais do Cunha, do Fundão e da Penha.

Ao longo de décadas, a degradação ambiental pouco comoveu o poder público, até a sociedade civil, com a Comissão de Defesa do Meio Ambiente da ALERJ, promover um abraço simbólico à praia reivindicando melhorias socioambientais, em abril de 2000. Diante da manifestação, o então governador, Anthony Garotinho, anunciou um conjunto de obras na localidade, orçadas em R$3 milhões, incluindo a mais conhecida: o Piscinão. O lago de água salgada, com seus mais de 26mil m², foi criado como alternativa de entretenimento para a população que não podia mais banhar-se nas águas impróprias da baía de Guanabara. A piscina chegou a receber 60 mil pessoas em um único final de semana, de acordo com a prefeitura do Rio. Atualmente, o número caiu à metade.

“Puxadinho ambiental” para os moradores

Se no início o Piscinão revitalizou o bairro de Ramos, hoje a situação é quase a mesma de antes. Quem conta é César de Oliveira, mais conhecido como César Dicró, filho do cantor e compositor Dicró, falecido em abril de 2012. Dono de um quiosque na praia, César viu mudanças positivas e negativas com a construção do parque. “Isso aqui revitalizou, os comerciantes voltaram e apareceram outros. Mas o Piscinão não é só a piscina, é um espaço com área de esportes, praças, brinquedos e lona cultural. A água é tratada, mas o restante está em estado de abandono”, revela indignado.

Foto: Paulo Barros Foto: Paulo Barros

Para os moradores, o Piscinão serviu como alternativa para voltar a frequentar o litoral. É o que diz Edson Marinho, 70, o Maresia. “Eu venho a este local há mais de 40 anos. A Praia de Ramos não existe mais. Está tudo muito poluído, há uns criadouros de peixe artificial que podem cortar o corpo… Ali é um perigo. Nadar agora só aqui no Piscinão”, comenta o morador. “A inauguração do parque foi positiva, pois os antigos frequentadores voltaram para Ramos. As pessoas que estavam indo para Flamengo e Botafogo, por causa da poluição, voltaram para cá”, completa César.

Já o biólogo Mario Moscatelli, responsável pelo Projeto Olho Verde, vê o Piscinão de outra forma. “Aquele local, como tantos outros, precisava de uma área de lazer de fato, pois banhar-se nas águas da baía é um suicídio. Mas sob o ponto de vista ambiental, não deixa de ser mais um puxadinho ambiental”, afirma.

Foto: Paulo Barros Foto: Paulo Barros

Legado olímpico

O índice de poluição das águas de Ramos deve diminuir significativamente com a proximidade das Olimpíadas. A promessa é que 80% da Baía de Guanabara seja despoluída até 2016, para atender à necessidade de usar o espelho d’água em algumas competições. A praia de Ramos, neste caso, deverá ser beneficiada pelo legado olímpico. A obra está por conta do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que existe desde 1994 e, nesses 20 anos, consumiu US$ 1,2 bilhão. Até agora, porém, os resultados são inexpressivos.

Moscatelli afirma que, se o PDBG tivesse sido conduzido normalmente, não teria sido necessário condicionar a despoluição da praia ao evento olímpico. Segundo o biólogo, já em 2001 teria sido possível reduzir a poluição da praia e de seus afluentes, ao invés de investir pesado na construção da piscina. “Se o PDBG estivesse em funcionamento desde 1994, a região estaria bem mais limpa que agora. Há tecnologia, há dinheiro, mas falta vontade de resolver o assunto”, observa.

O biólogo aponta que os rios que deságuam na Baía tornaram-se extensão da rede de esgotos e colaboram com a sua poluição. A instalação de ecobarreiras foi uma das medidas usadas para limpar as águas dentro do prazo, bloqueando o lixo flutuante que chega pelos rios. Nas chuvas que ocorreram no final de 2013, três das 11 barreiras (Canal do Cunha e Rios Irajá e São João de Meriti) romperam-se, levando à baía de Guanabara mais de 500 toneladas de lixo. O acidente tornou a despoluição ainda mais complicada.  “Infelizmente as pessoas continuam usando o rio como depósito de lixo. Nós temos o canal do Cunha e o rio São João de Meriti sem ecobarreira agora”, lamenta Moscatelli.

Apesar dos gastos e do tempo perdido, ele acredita que seria possível recuperar a baía se uma série de medidas fosse tomada a partir de agora. “Em 15, 20 anos seria possível despoluir a baía e a praia de Ramos, mas é necessário que exista uma política permanente de habitação, transporte e saneamento nos municípios que margeiam a baía. Dinheiro tem, o que continua de forma clara é a falta de vontade para salvar a ‘paciente’”, conclui.

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