Copa ainda não anima as favelas
Se em algum ponto favelas e asfalto guardam semelhanças nos dias que correm é na falta de entusiasmo em relação à Copa. Fitas, bandeiras e serpentinas nas cores nacionais rarearam. As imensas bandeiras que em eventos anteriores cobriam o leito das ruas mudaram-se para uns poucos muros de áreas hoje desertas como a rua Canitar, que já foi um dos principais acessos ao conjunto de favelas do Alemão.
Com escassas exceções, o desânimo em relação ao Mundial permeia um amplo círculo de comunidades que atravessa a cidade e produz depoimentos como o que o correspondente Rodrigues Moura ouviu de um vizinho: “As pessoas estão com medo, porque não se sabe o que pode acontecer. Quando a gente fala com alguém para fazer um rateio e comprar material logo ouve: ‘será que não vai dar problema?’”.
O sentimento, que no Alemão poderia revelar medo de contrariar recomendações de grupos em conflito com a polícia das UPPs, revela-se em outras favelas como descrédito nos governos. Em Vila Kennedy, a dona de casa Maria Cristina disse a Guilherme Júnior que as cidades estão sendo maquiadas para Copa. “Tudo pra gringo ver. A mulata é contratada pra sambar e depois do expediente, volta pra favela pra dormir no barraco”.
Não é o que pensa, no entanto, o eletricista Paulo Afonso, também morador da área. Ele não acredita que o Brasil consiga o hexa, mas aposta que basta vencer o primeiro jogo para o povo correr para a rua. “No dia seguinte vai estar todo mundo pintando os paralelepípedos e as calçadas”. É como se sente o professor de educação física Fernando Borges. Embora classifique muitos gastos como milionários e desnecessários, considera “mais do que um sonho”, para um apaixonado por futebol como ele, assistir a uma Copa do Mundo em seu próprio país.
Fernandes Tavares, jornaleiro que mora em Piedade, também já se sentiu assim. “Quando anunciaram fiquei empolgado”, contou ao correspondente Júlio Lopes. Mas desanimou, diante de obras incompletas e nenhuma melhora significativa. “Acho que tiraram de nossas crianças para fazer estádios”, conclui. Mas tanto quanto a cozinheira Mônica Souza e a estudante Juliane Santos, também de Piedade, Tavares acha que o entusiasmo voltará, quando o Brasil entrar em campo. “Infelizmente, nós, brasileiros, esquecemos rápido”.
Talvez seja o que espera o pessoal do morro do Fubá, onde Raphael Soares entrevistou o designer de Carnaval Luciano Santos. “Não vejo preparação no morro, não vejo animação, nem movimentação. Nem parece que tem Copa e, pior, nem parece que é no Brasil”, garante Santos. Apesar disso, Rony Leal da Rocha, dono de um bar na rua Euclides da Rocha, no morro dos Cabritos, não deixará de torcer pela seleção. Realista, contou ao correspondente Júnior Almeida que nem sua insatisfação com o momento político que o país atravessa o impedirá de organizar churrascos nos dias de jogos do Brasil.
Insatisfeito está também o professor de História Luiz Felipe Bergara, que aprova o esporte como instrumento de união entre pessoas de classes sociais e etnias diversas, mas discorda da escolha do Brasil como sede da Copa. Morador do bairro da Penha, ele disse a Cairo Aquino que não vê sentido na construção de estádios modernos, se “não temos saúde pública, segurança ou educação de qualidade”.
De modo geral, os entrevistados ecoam o que têm ouvido em manifestações que relacionam a qualidade precária de serviços oferecidos à população com despesas para a realização da Copa. Nenhum, no entanto, separa nessa conta o que é dinheiro público ou investimento privado. Isso fica claro no depoimento de Carolina Mara, de Nilópolis. A Copa, ela diz, “não é uma prioridade como saúde, educação e segurança, que estão sendo tratadas com descaso porque há a preocupação de se fazer bonito para quem é de fora”.
Esse é um pensamento que, com pequenas variações, cruza as favelas – pacificadas ou não. Na Rocinha, apesar das faixas que incentivam os moradores a enfeitarem as ruas para disputar os prêmios oferecidos pela Associação de Moradores, poucos já se animaram. Entre esses certamente não está Kimberlin Souza, que pouco quer saber de futebol. “Não estou animada nem vejo motivo para alegria, quando vejo pessoas passando dificuldades”, disse ela ao correspondente William de Oliveira.
No outro extremo desse pessimismo, Katia Pires, do conjunto de favelas do Caju, apesar da indiferença da maioria na comunidade Parque Boa Esperança, bateu de porta em porta recolhendo ajuda para decorar a rua Amanhecer. “A gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã. Então, eu acho importante aproveitar esses eventos para aumentar a união entre as pessoas na comunidade”, relatou à correspondente Lina Soares.
O mesmo espírito move a dona de casa Rosangela Oliveira, em Madureira, que decorou casa e rua com capricho e a ajuda da filha. “Aqui fica tudo em família. Na última Copa assisti com uma neta. Agora tenho dois netinhos. Junto filho, marido, nora e cunhado, fazemos uma festa só e apostamos que seremos campeões”.
Animação maior do que essa só em Sepetiba, onde comerciantes como Carlos Tavares, embora admitam dificuldades, têm grande esperança no aumento na venda das cervejas em que investiu. Para ajudar nisso, apurou a correspondente Telma Lopes, a Praça do Coreto terá um telão onde os moradores poderão assistir aos jogos e, quem sabe?, comemorar pelas ruas.