Single Blog Title

This is a single blog caption

No MMA, a vez da periferia

Share on Facebook0Tweet about this on Twitter
Fotos: Vitor Madeira
Os campeonatos internacionais de artes marciais mistas, modalidade mais conhecida como MMA (Mixed Marcial Arts), têm se tornado um propulsor de carreira para lutadores brasileiros. Na maioria, são jovens oriundos de favelas e periferias que encontraram no ringue a oportunidade de brigar por um futuro melhor. Na disputa pelo cinturão, o que vale, além da força física, são as estratégias de resistência e superação – velhas conhecidas de quem já teve que enfrentar pobreza e  discriminação. É o que vão mostrar no próximo sábado os atletas José Aldo e Renan Barão, ambos escalados para o Ultimate Fighting Championship 169, que acontece na cidade de Newark, em Nova Jersey (Estados Unidos).
O ringue é como uma metáfora da vida para muitos destes lutadores. Pois não basta ficar de pé, é preciso saber o que fazer na queda. E se dificuldades surgirem, desistir nunca é a opção. Campeão interino na categoria peso-galo, Renan Barão afirma sem rodeios: “Dificilmente, você vê um que seja playboy ou que tenha nascido em berço de ouro. Acho que eles não têm aquela garra, não passaram por várias coisas na vida”, avalia. O potiguar, 26, é prova de que as dificuldades só fortalecem as pessoas determinadas. “Eu ia andando para a academia, treinava e voltava a pé para casa até conseguir a ajuda de outros lutadores que já tinham mais condições”, relembra.
José Aldo Júnior, 26, campeão na categoria peso-pena do UFC, também acha que quem passou por sufoco na vida sabe lidar melhor com as situações difíceis que surgem no octógono. “A pessoa pensa: ‘vivi coisas piores. Isso aqui é moleza’. E dá o máximo”. Porém o lutador, que nasceu e foi criado na periferia de Manaus, pondera: “Acho que tem muito a ver com cada pessoa também. Você pode ter condições boas e ser um atleta exemplar”.
Como grande parte dos meninos brasileiros, Júnior tinha inicialmente o sonho de ser jogador de futebol,  mas acabou desistindo. “Lá não tem um futebol tão bom, que a gente possa sair, virar jogador profissional e vencer na vida. É muito mais difícil”, compara. Com a modalidade ganhando cada vez mais espaço, a busca por novos rostos também aumentou. “Hoje em dia, eu vejo que é mais fácil subir na vida através da luta do que no futebol, porque o caminho do futebol é muito estreito. Você completa 25 anos e está velho. No MMA, não. Você está novo”, completa Marlon Sandro, 36, morador da favela Santo Amaro que compete na categoria peso-pena do Bellator Fighting Championship.
Um vetor de inclusão social
Tomando como exemplo suas próprias trajetórias de vida, o grupo de lutadores, que treina junto na equipe Nova União, defende a prática de artes marciais como modelo de inclusão social. “O governo e as empresas deveriam investir mais porque, com certeza, afastariam muitas crianças das drogas e da criminalidade”, afirma Barão. O potiguar, filho de mãe adolescente (sua mãe deu à luz aos 14 anos), foi criado pelos avós maternos, Antônio e Inácia do Nascimento. A sua relação com o esporte veio na adolescência após conhecer seu pai, o pugilista Neto Pegado. Foi o divisor de águas. No entanto, seus amigos de Quintas, bairro na periferia de Natal, não tiveram a mesma sorte. “De trinta amigos, acho que mais ou menos 25 morreram por causa de tráfico e disputa entre gangues de bairros vizinhos”, acredita.
Marlon Sandro conta que o esporte também contribuiu para que moradores de comunidades rivais convivessem bem e se unissem em prol de campeonatos comunitários, como no caso do Santo Amaro e do Morro Azul. “As pessoas não têm noções básicas do esporte, como respeito ao próximo, disciplina, foco e visão de equipe. Aí, ainda mistura com o tráfico e passa a ter rivalidade com uma pessoa que ela nem conhece e que passa pelas mesmas necessidades. Com o esporte, isso muda”, afirma.
Celeiro de novos talentos
Nascido e criado no Santo Amaro, Marlon sabe bem da importância do esporte na vida de crianças e adolescentes que não têm muitas opções além do tráfico de drogas. O lutador idealizou um projeto de jiu-jitsu na sua comunidade com o objetivo de formar cidadãos de bem e atletas de alto nível. “Tenho aluno ex-presidiário, que chegou a ser assaltante, parou, e hoje em dia vive uma vida de atleta. É disciplinado, gosta de treinar. Teve oportunidade… Muitos também tiveram, mas não souberam aproveitar. Mas o importante mesmo é existir essa oportunidade”.
O projeto saiu do papel em 200, graças ao apoio de amigos. “Só começou mesmo porque o Dedé doou o tatame. Outro dia, ele deu 30 quimonos para os alunos”, relata Marlon, em referência a André Pederneiras, eleito o melhor treinador de MMA do mundo em 2010 e líder da equipe Nova União. A iniciativa deu tão certo que hoje o Projeto de Jiu-Jitsu de Santo Amaro é visto como celeiro de novos talentos para as artes marciais mistas e recebe dinheiro até de admiradores estrangeiros. “Isso é reconhecimento pelo trabalho que eu e outras pessoas fazemos na comunidade”, ressalta o lutador.
Mais de 100 alunos passaram pelo tatame desde a criação. Foi lá do alto do morro que também surgiram outros nomes importantes das artes marciais mistas no Brasil. Prata da casa é o peso-galo Dudu Dantas, 24, que foi o primeiro brasileiro a conquistar o cinturão do Bellator, o segundo maior evento de MMA do mundo. No dia 7 de março, ele defenderá seu cinturão contra o também brasileiro Rafael Silva, em combate que acontecerá na cidade de Thackerville, em Oklahoma (Estados Unidos).
Antes do projeto, no entanto, foco e disciplina não eram qualidades de Dudu. “Eu era hiperativo e tinha dificuldade de aprender na escola. Com o tempo, eu fui lendo coisas do esporte, que eu gostava. Uma coisa foi puxando a outra”, revela. Também cria do projeto, Welerson Gonçalves, 17, está seguindo o mesmo caminho transformador. Ele é faixa azul no jiu-jitsu e não vê a hora de poder passar adiante tudo o que aprendeu para os futuros alunos. Já o ex-aluno José Dias, 21, mais conhecido como Polenghi, conseguiu se tornar instrutor no projeto e conta que hoje só não assistem mais crianças e jovens por falta de espaço. “Meu sonho é poder expandir para outras comunidades, outros locais”, diz.
Marlon Sandro e companhia são heróis na comunidade e têm torcida garantida. O carinho e a cumplicidade do veterano com seus pupilos são características conhecidas por todos. Por isso, se dá bem até com crianças pequenas. “Recebemos crianças a partir dos 4 anos. Trabalhamos com o lúdico, sem forçar”, ensina ele, que é pai de dois meninos: Eryc, de 6 anos, e Enzo, de 2. As aulas são oferecidas gratuitamente, para ambos os sexos, três vezes por semana (segundas, quartas e sextas-feiras), das 18h30 às 19h30.

Deixe uma resposta

Parceiros