Flizo leva festival do livro à Zona Oeste
É de conhecimento de boa parte da cidade do Rio de Janeiro que Vinícius de Moraes morou em Ipanema e que Chico Buarque vive no Leblon. Mas quando a origem, ou moradia, de um artista fica em algum bairro da Zona Oeste, pouca gente sabe disso. É o caso do compositor Adelino Moreira, autor de Negue, que viveu em Campo Grande, ou ainda do escritor José Mauro de Vasconcelos, autor de “Meu pé de laranja lima”, que morou em Bangu. Com o intuito de valorizar a produção cultural desta parte da cidade, começou hoje a 1ª Feira Literária da Zona Oeste (Flizo), que tem como homenageado Vasconcelos. O evento é itinerante e se estende até o dia 1º de novembro.
O ponto de partida para a criação da feira literária foi dado pelo escritor e cientista social Binho Cultura, 33 anos, morador de Vila Aliança e notório agitador cultural da região. Após ter sido convidado a participar da Feira Literária das Unidades de Polícia Pacificadora (Flupp), Binho imaginou trazer o modelo para a Zona Oeste. Assim, nestes 25 dias de evento, escolas, universidades e centros culturais receberão, a cada vez, um autor convidado, uma atração de dança, música ou teatro, e uma exposição. Dentre os artistas que irão participar, muitos ajudaram na organização do evento, que tem patrocínio dos governos municipal e estadual, além de outros apoios.
Contrafluxo cultural
Promover o encontro de artistas na região é um dos objetivos da Flizo. A partir desta edição, o grupo de artistas liderados por Binho espera construir uma agenda de atividades culturais na Zona Oeste, mapear os artistas residentes e suas situações, além de reivindicar mais espaços e apoio para criação. A ideia é descentralizar a exibição e a produção de arte, hoje concentrada no Centro e na Zona Sul da cidade. Este tipo de movimento, segundo Binho, vem criar um “contrafluxo” cultural e evitar o “êxodo cultural” na região.
Para Carmem Maria Bastos, 30 anos, poeta e moradora de Realengo, as maiores dificuldades dos artistas da Zona Oeste são a visibilidade e a locomoção. Para ter a primeira, Carmem teve que lançar seu último livro na Lapa, mas seus vizinhos e parentes reclamaram da distância do evento. O escritor Sérgio Alves, 53 anos, de Campo Grande, afirma por sua vez que a população local não prestigia o que é produzido por ali e acaba se deslocando para longe, pagando um preço alto. “Aqui acontece uma resistência cultural. A Zona Oeste, abandonada em todos os níveis, é a área que mais cresce e não tem quase nenhum equipamento cultural”, diz Alves, que participou do movimento de poesia marginal e até hoje vende livros pelas ruas.
De fato, os números comprovam que as aproximadamente 2,6 milhões de pessoas que vivem na Zona Oeste são as mais desfavorecidas no que diz respeito à cultura. Dentre os 50 equipamentos culturais municipais, somente 10 estão na Zona Oeste. O Centro conta com 11 deles, a Zona Sul com 12 e a Zona Norte com 17. Cabe ressaltar, ainda, que boa parte dos equipamentos localizados na Zona Norte e Oeste são lonas ou arenas culturais – não existe, por exemplo, um teatro ou museu municipal na Zona Oeste. Já dentre os 34 equipamentos culturais estaduais, apenas dois – o Museu Casa do Pontal e o Teatro Arthur Azevedo – ficam na região. Outros 16 estão no Centro, 11 na Zona Sul e 5 na Zona Norte.
O criador da companhia teatral Talentos da Vila Vintém (TVV), Otávio Moreira, 39, ao se mudar da Zona Sul para a Zona Oeste, entrou em depressão. Ele afirma que isto aconteceu em grande parte por causa da distância das salas de teatro e cinema. Assim, para aproximar-se de sua paixão, criou a TVV, há 16 anos. “Resolvi trazer o teatro até mim. A Vila Vintém e outras favelas são excluídas de tudo. Para ter acesso à cultura, as pessoas têm que gastar muito dinheiro e tempo para ir a algum lugar longe e, quando há algo por perto, é caro”, diz.
Para Binho, a cultura é um dos meios de se combater a situação de exclusão generalizada na qual se encontra a Zona Oeste. Mas ele reforça que isto só pode acontecer se houver um planejamento conjunto de todas as secretarias e ministérios, a democratização cultural não podendo ser responsabilidade isolada de apenas um órgão. Binho acredita que a Zona Oeste tenha grande potencial nesta área. “Olho para aqui e vejo a heterogeneidade. Em cada bairro, há do escritor ao escultor. A Zona Oeste representa o Brasil. Aqui, encontram-se pessoas de diversas origens”, fala, orgulhoso, o cientista social, citando expoentes artísticos da região como o cenógrafo Clécio Régis e o artista plástico Mestre Saul.
A Flizo, advertem seus organizadores, veio pra ficar. Uma nova edição deve acontecer no próximo ano, além de projetos paralelos, como a criação de uma página na internet chamada “É da Zona Oeste”. Esta irá indicar nomes e obras de artistas da região, do passado e do presente. Além disso, a equipe planeja a produção de livros que resgatem a história desta parte da cidade, que já foi ilustre lugar de veraneio, freqüentado pelos membros da Família Real. Binho aposta estar vivendo um momento importante: “me sinto como se fosse um dos membros da Bossa Nova, em meio a grandes artistas e expoentes da cultura”, diz, referindo-se aos colegas que participam da Flizo.